O vestido de Noiva
Tarde de quinta-feira. Na redação, repórter chegava, repórter saía. Os teclados nervosos dos computadores faziam a trilha sonora para o burburinho que se ouvia. Eu não falava nem escutava. Apenas teclava. O texto que aos poucos foi aparecendo na tela do monitor era sobre a convocação de Kleber, do Internacional, para a Seleção Brasileira. Já estava terminando quando Ariadne, a estagiária da editoria de esportes me interrompeu. Ela acompanhava um motoboy que trazia uma caixa:
– É uma entrega para ti – miou Ariadne com seu jeito meigo e tímido.
– Que isso?
– Seu pedido da Noiva Chique, senhor – disse o motoboy.
– Mas, eu não... – o rapaz colocou a caixa no chão e saiu – não pedi nada, volte aqui. O que é isso?
Não levantei da cadeira para ir atrás do entregador, apenas olhei para Ariadne tentando encontrar resposta. Ela deu de ombros e saiu.
Eu não tinha feito encomenda nenhuma, “que diabos era aquilo?”, pensei. Só podia ser sacanagem do pessoal do jornal. Só podia ser. Mas o que haveria dentro daquela caixa? Deixei minha curiosidade de lado e fui terminar de escrever o texto. Não conseguia. Pensava na caixa que estava ao meu lado. Um vulto parou em frente a mesa. Alfredo. A pessoa mais chata que tinha na redação. Vivia fazendo aquelas piadas sem graça. Não adiantava, quando pegava no pé de alguém, não largava mais. E eu era esse alguém:
– Então Carlão, vai casar com o Raimundão? – perguntou. Raimundo era nosso colega da editoria de esportes. Grande figura. Tinha a idade do meu pai. Viu jogar as maiores estrelas do futebol. As sextas, depois do expediente, saíamos com o pessoal da política para beber cerveja e comer batata frita. Depois de alguns copos de chope, Raimundo tentava convencer a todos que na copa de 70, Rivelino só foi titular por ordem de Médici e que foram os militares que escalaram o time do Brasil naquele ano.
Em resposta a Alfredo fiquei quieto, mas me mordendo de curiosidade. “Noiva Chique”, o que será? Vou abrir, mesmo não sendo para mim. Ariadne chamou o Careca e a nossa editora, a Mari. “Ta, é sacanagem”, pensei.
– Vamos, abre logo – disse o Careca, sorrindo. Não dava para voltar atrás. Eu não ia esperar para abrir aquilo em casa. Aliás, nem ia levar aquilo para casa. Vencido, abri. Um vestido de Noiva. Isso mesmo. Claro, Noiva Chique. Só podia ser algo relacionado com noiva.
– Que lindo, Carlos – Mari elogiou ao pegá-lo – Sua noiva tem bom gosto, mas dá azar olhar antes.
Eu não estava noivo, não era meu aquilo. Mas a editora me olhou séria e perguntou se eu não ia convidar os colegas para a cerimônia. Eu disse que estava havendo algum engano, eu não iria me casar. Mas as brincadeiras sobre o assunto se estenderam até o inicio da noite.
Antes de ir embora, passei na sala da Mari e perguntei o que fazer com aquele vestido. Sem fazer brincadeiras, ela disse para deixar ali na redação. Provavelmente alguém apareceria para pegá-lo e nós o devolveríamos para o dono.
A edição de sexta-feira do jornal trazia uma reportagem com um texto horroroso sobre a convocação de Kleber. No meio da tarde vi alguém entrar na sala da Mari e alguns minutos depois sair com a caixa da Noiva Chique nos braços. Fui até lá ver se o vestido tinha voltado para a loja ou entregue ao verdadeiro dono. Mari me disse:
– Carlos, hoje graças a ti, o happy hour é por minha conta – falou pegando o jornal e me indicando, nos classificados, uma notinha que dizia: vende-se um vestido de noiva. Manequim 46. Sem uso. Tratar com Marinildes, pelo fone...
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