quarta-feira, 6 de julho de 2011

Viagem

A esteira de bagagens do aeroporto

Sempre achei bizarra aquela aglomeração de gente dependurada na ponte de Tramandaí experimentando a sensação de ser pescador. O povaréu empunha seus caniços e disputa acirradamente espaço na beirada da ponte afim de submergir o anzol recém-comprado. Logo o entusiasmo de estar ingressando no mundo da pesca se transforma em angustia. Vê o vizinho encher o balde dos pequeninos piscinos enquanto sua vara permanece imóvel. Frustra-se quando sua linha enrosca em outra e deixa o caniço cair rio abaixo. No dia seguinte tentará novamente.

Senti-me na ponte de Tramandaí quando desembarquei no terminal velho do Salgado Filho, no último final de semana. Aquele amontoado humano em volta da esteira de bagagens não deixava espaço para os passageiros menos apressados. Cada um se posicionava afoito a beira da esteira. Quando viam uma mala semelhante a sua, projetavam o corpo para pesca-la. Uns ansiosos pinçavam a bagagem e quando constavam estar em poder de pertence alheio arremessavam o volume na esteira sem medir consequências.


Aqueles que conseguiam agarrar sua bagagem sorriam aliviados e, se um ou outro, era possível até escutar um brado de júbilo “peguei, peguei”. Um magricela perto de mim agarrou a alça da sua mala e, quando a puxou para fora da esteira, jogou o pesadíssimo objeto nas pernas de uma companheira de vôo. A senhorinha gemeu, balançou o corpo até que conseguiu se estabilizar. Não tinha visto o peso vir em sua direção porque estava de bolitas grudadas na esteira. Salvou-se do vexame de se espatifar no chão.

A esta altura, eu, finalmente, consegui encostar na esteira. Um baixinho do meu lado estava enlouquecido. Já tinha alçado todas as malas pretas que desceram do avião. Levantava, via que não era a sua, largava. Levantava, via que não era a sua, largava. Botava a mão, sentia que não era a sua, afastava-se. Voltava. Levantava, via que não era a sua, largava. Até que, enfim, abraçou uma bagagem em definitivo. Ainda bem que se foi, pensei. Que nada... quando percebi, estava o baixinho do meu lado de novo. No que jogou o volume na esteira, suspirou “mas não é possíííível”.

Enchi os pulmões de ar quando vi, ao longe, a minha bolsa verde deslizando. Quando estava próxima, projetei o corpo e ao passar por mim, grudei-me nela como pude. Girei o corpo e joguei-a no chão. Respirei, ergui a mala e a depositei no carrinho. Deixei para trás aquela gente. Deixei para trás aquele saguão cheio de bagagens extraviadas. Deixei para trás aquele velho terminal desconfortável.

Sei que voltarei a voar e a desembarcar no mesmo lugar. Sei que voltarei a disputar o leito da esteira em busca da minha mala. Muitos me empurrarão. Empurrarei muitos. É inevitável que todos nós tenhamos nosso dia de pescador. Os peixes da ponte de Tramandaí são como as bagagens de esteira do aeroporto: é raro quando conseguimos pescar, assim como é raro quando resgatamos a mala sem extraviar.