Na sala do arquivo – no edifício Hudson, sede do Correio do Povo e rádio Guaíba – com o rádio ligado na Guaíba FM, dona Chica falou sobre seus anos de trabalho na Caldas Junior. A seguir, os principais trechos da conversa.
Quando a senhora começou a trabalhar no Correio do Povo?
Eu comecei em 28 de fevereiro de 1950. Estou com 59, vou fazer 60 agora.
E como que foi a entrada na empresa?A minha entrada aqui... o problema era o seguinte: antigamente, o Correio do Povo era uma família, tu vinha, trazia teu irmão, trazia os teus parentes e tudo aqui era uma família. Então meu cunhado trabalhava aqui. Era o Sadi Rafael Saadi. Era cunhado e me criou. Pai de criação. Então, quando eu terminei o ginásio, eu não quis continuar os estudos, então, ele me forçou a trabalhar. Aí eu vim trabalhar aqui no Correio, pela mão dele, pela mão do seu Alcides Gonzaga, que era o gerente do Correio do Povo naquela época.
A senhora começou fazendo o que?Eu comecei na contabilidade... porque o arquivo não existia. Aí o seu Gonzaga perguntou para mim se eu tinha coragem de organizar um arquivo. Eu disse "sim".
A senhora que deu início ao arquivo, então...Não, eu criei o arquivo do jornal. Se tem isso aí, agradece a mim. Aí ele me deu dois funcionários e eu comecei a organizar o arquivo do jornal. Porque essas coleções todas estavam atiradas lá na tevê. Então eu mandei buscar tudo, mandei restaurar, mandei fazer tudo em couro. Está tudo feito em couro. Desde o primeiro número até o último, até o atual, tudo é a mesma coisa. Depois eu vou te mostrar como está ótimo.
Que ano foi criado o arquivo?
Eu entrei em 1950 e fiquei apenas, acho, que uma semana na contabilidade. E o arquivo era na rua Sete de Setembro, naquele prédio onde hoje é o Banco do Brasil. Eu comecei a fazer Correio do Povo, Folha Esportiva, Folha da Tarde e Folha Final. Eram quatro jornais abatidos quando houve aquela história de fechar. Eram quatro jornais. Só que cada jornal tinha seus encartes. Por exemplo, o Rural, o Caderno de Sábado, o Fim de Semana, Letras e Livros. Então, todas essas coisas que estavam sendo encartadas, eu ia mandando tirar e fazer coleção. Aí tornou-se muito mais fácil para o pessoal fazer pesquisas.
Quando a senhora entrou na Caldas Junior, já tinha mulheres trabalhando?
Quando entrei, éramos três. Porque eles não empregavam mulher naquela época. Era a Eva, que era a secretaria do seu Alcides, a Talita que era caixa e eu, que entrei na contabilidade. Éramos somente três mulheres. Aí depois começou a entrar mais mulheres, principalmente na circulação.
E a edição que foi empastelada e a senhora, dona Francisca, conseguiu salvar...
Foi em 20 de setembro de 1972. Houve aquela história do telegrama que mandaram para cá. Um telex. Não era para ser publicado aquele telegrama porque era assunto da política. E o doutor Breno, como era meio teimoso, mandou publicar. E aí nos publicamos e no outro dia de manhã veio a polícia toda, o exército todo, e tomaram conta do Correio. Eles perguntaram para o doutor Breno se ele ia prender toda a edição e o doutor Breno disse para ele que fizesse o que ele quisesse, não, “pode fazer o que tu quer”, e ele mandou os caminhões todos para cá e na hora que saia o jornal da máquina, eles iam botando dentro do caminhão para levar para lá, para o exercito. Eu, quando cheguei, tava aquela coisa, né. Aí eu disse “pô, mas não é possível que eu vou deixar o Correio do Povo ficar sem essa edição”. Aí eu fui lá embaixo, estavam todos lá, eu tirei 20 jornais, botei debaixo do braço e saí. Eles com o problema, não sabiam o que eu ia fazer. Nem deram bola para aquele negócio e eu guardei. Passada uma temporada, o doutor Breno me perguntou “escuta, Chica, tu tens esse jornal?” e disse “tenho”. Aí ele disse “mas como que tu conseguiste?” e eu disse “ahhh eu consegui assim...” e contei para ele a história do que eu tinha feito. “É impossível”, disse ele. Porque ele me conhecia desde guria, né. “Mas tu é uma guria impossível”. Quer dizer que eu não deixei faltar no arquivo essa edição. O Galvani, no livro dele, não seu se tu leu o livro... Um Século de Poder, né? [GALVANI, Walter. Um Século de Poder: os bastidores da Caldas Junior] Ali ele fala também sobre o telegrama, sobre tudo, né.
E a relação com o doutor Breno?Ah, ótima. Ótima pelo seguinte: ele se dava muito com a minha família por causa do meu cunhado. Então a relação minha com ele era assim. Eu ia ao gabinete dele... ele sempre me tratando por guria, porque eu entrei muito guria mesmo, e eu tinha uma boa relação com ele. Aliás, com todos. Graças a Deus. Tanto que, foi mudando, primeiro foi o Breno, depois foi o Renato, depois foi o Edir Macedo. E em todas elas eu to indo.
Como a senhora sintetiza todos esses anos de trabalho na Caldas Junior?Era uma família. È uma coisa que eu criei. É como se eles fossem meu filho. Durante todos esses anos, não deixo ninguém mexer, ninguém fazer porque é meu. Aí o dia que eu parar, não sei como que vai ser. Não sei como é que eles vão me substituir.