O jardim dos poetas provincianos
No início do Século 20, um canto de Porto Alegre foi tomado
por um grupo de intelectuais gaúchos. O local, chamado de Praça da Harmonia,
era o ponto de encontro preferido de escritores como Alceu Wamosy, Eduardo
Guimarães e Alcides Maya. No imaginário do povo, todavia, o local era tido como
assombrado. Foi sob a inspiração macabra do jardim dos poetas que parte da obra
desses escritores foi concebida.
O imaginário popular tinha razão para ter a praça da
Harmonia como assombrada.
Já no início da história da cidade, os açorianos fizeram na
área um pequeno cemitério. Também próximo à praça, no início do século 19, havia
uma forca, onde os condenados à morte davam seu último suspiro. Na cabeça dos
fantasiosos, os fantasmas dos penalizados rondavam à cercania do Largo da Forca
durante à noite.
“Almas penadas emergem das tumbas pedindo oração. Depois que o sol se afunda atrás das ilhas, ninguém ousa caminhar naquela área onde os colonizadores açorianos enterravam seus mortos”. (Rafael Guimaraens, Rua da Praia: um passeio no tempo)
![]() |
Imagem de Virgilio Calegari, retirada de ronaldofotografia.blogspot.com.br |
A importância histórica da praça vai muito além do que a fama de assombrada. Foi naquele ponto que os açorianos atracaram para entrar pela primeira vez em Porto Alegre. Como a praça, à época chamada de Praça do Arsenal, ficava junto à praia também do Arsenal, foi por ali que os portugueses começaram a construir a história da leal e valerosa cidade, em 1752.
Vinte anos mais tarde, quando José Marcelino de Figueiredo
transferiu a capital da capitania de Viamão para Porto Alegre, instalou junto a
praça do Arsenal a sede provisória do governo. Com o crescimento da cidade para
os locais onde hoje estão a praça da Matriz e o Paço Municipal, a ponta do
Arsenal foi se degradando.
Embora tenha acontecido tentativas de revitalização ao longo
do século 19, somente em 1866, que o local realmente recebeu as melhorias para
se tornar um espaço de lazer para os porto alegrenses. Na ocasião, o vereador
Martins de Lima mandou plantar 94 árvores na área, que já abrigava um cais. Dez
anos mais tarde, até o funcionamento de um rinque de patinação já havia sido
liberado pela Câmara Municipal.
![]() |
Imagem retirada de http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/ 10183/9256/Rg3743.jpg?sequence=1 |
“Porto Alegre tem, enfim, o seu point democrático, que
arrasta multidões de todas as classes, aos finais de tarde, para apreciar o pôr
do sol, bebendo chope com acepipes, enquanto os mais jovens deslizavam no
skating rink”, comenta Rafael Guimaraens, no Rua da Praia: um passeio no tempo
(Libretos, 2010).
"Era lá, á sobra de uma paineira, a improvisada redação do jornal O Século, do estouvado moço-fidalgo Miguel de Werna e de seu companheiro de charges, o João Gonçalves, ambos se inspirando em despistadoras rodas de chimarrão (ao invés de água, cachaça)". Nilo Ruschel, em Rua da Praia (Editora da Cidade, 2009).
![]() |
Imagem de L.Terragno, retirada de ronaldofotografia.blogspot.com.br |
Com a obra de construção do Cais do Porto, a partir da
segunda secada do século 20, o local tornou-se canteiro de obras. Instalações
do Exército e repartições do governo do estado também passaram à ocupar a área.
A nova revitalização aconteceu somente em 1960, mas já sem o charme de outrora,
como registra Sérgio da Costa Franco, no seu Porto Alegre: Guia Histórico
(Ufrgs Editora, 4ª edição, 2006). “A nova encarnação não restaurou a beleza da
velha praça que, no final do século 19 e princípio do século 20, fora recanto
poético da cidade. Ela foi o jardim dos poetas provincianos”.
Os nomes com os quais a praça foi batizada ao longo de sua história
- Largo da Forca
- Praça do Arsenal
- Praça da Harmonia (1855)
- Praça Martins Lima (1878)
- Praça 3 de Outubro (1930)
- Praça Brigadeiro Sampaio (desde 1965)
Quem eram os escritores que frequentavam a praça na virada do século
- Alceu Wamosy
- Alcides Maya
- Álvaro Moreyra
- De Souza Júnior
- Dyonélio Machado
- Eduardo Guimaraens
- Felipe d’Oliveira
- Homero Prates
- Mansueto Bernardi
- Marcelo Gama
Local de inspiração para tantos poemas, a praça não poderia deixar de ser homenageada saudosos versos.
Ela foi o jardim dos poetas provincianos
- a velha Praça da Harmonia,
- rodeada de frades de pedra, alumiada de lampiões a gás,
debaixo das paineiras, com estátuas de louça à beira das aléias e bancos,
sob a fronde amorosa das tílias...
O Álvaro, o Felipe, o Dionélio, o Eduardo,
O Wamosy, o De Souza... andaram por ali...
Eles liam Samain, Rodenbach, Verlaine...
Ao fundo, junto ao plinto e ao gradil da amurada,
o Guaíba embalava, às vezes, um veleiro...
E a noite camarada e cheirosa de orvalho
Acordava violões, nas esquinas, cantando...
Que é dos poetas que, um dia, ó velha praça morta,
embriagaste com o filtro amável dos teus luares,
das tuas sombras cariciosas,
dos teus silêncios confidentes?...
Athos Damasceno Ferreira, em Poemas da minha cidade (1936)