O Intendente Eterno
O Positivismo fervilhava em Porto Alegre naquele final de século dezenove. Júlio de Castilhos dava as cartas na política do Rio Grande, adaptando a doutrina comteana à cultura farroupilha. Em meados de 1896, a capital dos gaúchos precisava escolher um novo prefeito ou intendente, como era chamado à época. Embora o eleitorado não abrangesse toda população, era a primeira eleição direta para o cargo na cidade.
O único candidato naquele pleito era um engenheiro civil, natural de Niterói (RJ), solteiro (o que não era bem visto naqueles tempos) e sem residência fixa em Porto Alegre. José Montaury de Aguiar Leitão, que trabalhara na Comissão de Terras e Estabelecimento de Imigrantes no interior do Rio Grande, fora convocado pelo chefe do Partido Republicano Riograndense (PRR), Júlio de Castilhos, para concorrer à intendência da capital. A ausência de oponentes e o domínio do partido no estado efetivaram a vitória de Montaury.
O Correio do Povo de 29/09/1896 informa que Porto Alegre tinha uma população com pouco menos de 64 mil habitantes e um colégio de 6.073 eleitores na data daquela eleição. Vale lembrar que o voto não era obrigatório e nem secreto. Em 28 de setembro de 1896, “compareceram 2,4 mil votantes e, desse total, apenas sete votos foram registrados contra Montaury”.
Depois daquela, foram mais seis eleições vitoriosas (1900, 1904, 1908, 1912, 1916 e 1920), diferindo-se muito dos administradores atuais, que reclamam de falta de tempo para dar continuidade aos projetos. Mesmo assim, seu governo é lembrado, justamente, pela falta de iniciativa no que se refere a ações de melhorias para cidade. Tal postura arrancou críticas até mesmo do companheiro de partido João Neves da Fontoura, que em suas memórias o classificou como administrador extremamente limitado.
– De um irritante conservadorismo, parecia abominar e temer todas as mudanças – julga João Neves, que ainda desaprovava sua permanência no cargo – as contínuas reeleições criaram para o partido e para o governo uma atmosfera de impopularidade.
Ainda assim, permaneceu tanto tempo a frente da intendência devido sua devoção ao PRR, a Júlio de Castilhos e a Borges de Medeiros, conforme destaca Margaret Marchiori Bakos, no artigo Etenos Intendentes de Porto Alegre.
A administração de Montaury, todavia, não foi de todo ruim. Foi autor, por exemplo, da importantíssima ampliação da rede de esgotos cloacais da cidade. É de sua iniciativa também a implantação dos serviços de primeiros-socorros e da guarda municipal. Sem sede própria, mandou construir o Paço Municipal, que foi inaugurado em 1901 e ainda hoje abriga o gabinete do prefeito.
Mas, se o Montaury administrador público foi questionado e criticado, o Montaury cidadão gozava de excelente reputação. No seu Porto Alegre: Guia Histórico, Sérgio da Costa Franco, descreve o Eterno Intendente como padrão de honradez e modéstia e, destaca que, mesmo rotineira, sua administração fora pautada pela seriedade. Até mesmo o crítico do seu governo João Neves tece elogios ao seu comportamento.
– Era incontestável homem de probidade imaculada, caráter íntegro e bom profissional de engenharia.
Reservado, não costumava frequentar festas que não fossem as cerimônias oficiais. Seu verdadeiro prazer era o turfe. Também dedicava atenção à leitura da doutrina positivista de Auguste Comte.
Deixou a intendência em 14 de outubro de 1924. Depois foi deputado (1925-1929) e trabalhou como engenheiro para empresas privadas. O homem que mais tempo governou Porto Alegre morreu em 28 de setembro de 1939.